A volta heróica dos pombos-correios

Na era da guerra eletrônica, a oportunidade de retorno dos mensageiros emplumados

Na Primeira Guerra Mundial, os pombos serviram no regimento dos tanques, no serviço militar aéreo e na aviação naval. Na Segunda Guerra, foram usados de forma ainda mais abrangente e intensa. Foto: Pen and Sword Books / UIG / Getty Images

Em 16 de abril de 1919, o navio de transporte de tropas Ohioan  atracou em Hoboken, Nova Jersey. Entre os vários membros das Forças Expedicionárias Americanas que desembarcavam estava um pequeno destacamento de 21 homens da Companhia de Serviço de Pombos Nº 1, do Departamento de Comunicações do Exército Americano. Repórteres de jornais amontoaram-se no píer ao redor do oficial encarregado, o capitão John L. Carney, para perguntar sobre as proezas dos ilustres pombos heróis que o Exército escolheu levar para casa. À frente dos demais estava uma pomba azul chamada Cher Ami. De acordo com a história contada pelo capitão Carney, Cher Ami, em 4 de outubro de 1918, enfrentara tiros e bombas para entregar uma mensagem de homens cercados no desfiladeiro Charlevaux, na Floresta de Argonne, na França, conhecidos como o “Batalhão Perdido”. Cher Ami chegou a seu pombal com a mensagem do comandante das Forças, o major Charles W. Whittlesey, intacta, mas sem a perna direita e com um machucado no tórax que cortava o esterno. A pomba sobreviveu aos ferimentos, e a mensagem de Whittlesey forneceu ao quartel divisional e regimental a posição exata das tropas, informação que contribuiu para a libertação dos homens.

Até hoje, a história de Cher Ami é lendária, uma prova da bravura dos animais na guerra. Embora os registros não deixem claro se foi ela ou outro pombo a entregar a mensagem de Whittlesey, a história costuma esconder os objetivos por trás do uso de pombos-correios pelo Exército dos Estados Unidos. De 1917 a 1957, o Departamento de Comunicações americano manteve instalações de criação e treinamento de pombos, e pássaros serviram na Segunda Guerra Mundial e na Coreia. Quando o serviço de pombos foi dissolvido, em 1957, o Exército argumentou que manter tais instalações durante tempos de paz era desnecessário devido aos avanços em comunicações eletrônicas. Os pombos restantes foram vendidos em leilões, e outros poucos seletos foram doados a zoológicos ao redor do país. Hoje em dia, o uso de pombos-correios é visto como uma peculiaridade, um esquete curioso do campo de batalha no começo do século XX.

Mais de 60 anos depois, faz-se necessária uma reavaliação dos pombos-correios militares. A influência do espectro eletromagnético estende-se através dos sistemas e operações do campo de batalha até chegar à estrutura da sociedade civil. Operações defensivas e ofensivas no campo do ciberespaço — combinadas com ataques aéreos, aquáticos e por terra ou infraestrutura espacial — têm o potencial de desativar ou causar danos sérios a toda a comunicação ou às grades de energia. Adversários que dominam a guerra eletrônica estariam, então, em posição de controlar o campo de batalha e restringir as opções apresentadas aos comandantes americanos ou aliados. Pensando no potencial desta guerra, algumas comunicações entre o front do campo de batalha, o comando do escalão traseiro e os elementos de controle talvez tenham de estar nas patas ou nas costas de um mensageiro emplumado, visto que um humano ou um veículo ou aeronave mais visível acabam sendo vulneráveis demais a intercepções ou destruições.

Numa era em que a inovação militar consegue invocar pensamentos sobre armas futurísticas e pesquisa, desenvolvimento e aquisição custosos, talvez se deva considerar uma inovação restaurada: o pombo-correio. Uma breve análise da experiência dos militares americanos com pombos-correios fornece insights tanto sobre a utilidade desses pássaros como sobre suas vantagens no campo de batalha na era da guerra eletrônica moderna.

Pombos-correios são parentes do pombo doméstico ( Columba livia ), que com frequência sequestram itens ou conduzem ataques aéreos estratégicos a residentes e residências urbanos ao redor do mundo. Pombos-correios, entretanto, são mais parecidos com cavalos de corrida, cuidadosamente criados e tratados para maximizar velocidade, resistência e destreza ao navegar. Assim como com os cavalos de corrida, donos de pombais não hesitam em gastar milhares ou centenas de milhares de dólares em pombos campeões, com a esperança de reproduzir o sucesso da raça nas gerações seguintes. A ciência exata não é clara, mas as teorias postulam como os pombos navegam, retornando a seu pombal com a ajuda de meios visuais, magnetorreceptivos ou olfativos. As distâncias percorridas por eles podem variar de 16 a 1.600 quilômetros em terreno desconhecido ou em alto-mar, alcançando velocidades de 96 a 145 quilômetros por hora. Um pombo pode sofrer um ferimento grave durante o voo e continuar a jornada até sua casa, como foi o caso de Cher Ami e de outros nas duas Guerras Mundiais.

O uso de pombos para fins militares data de séculos atrás, mas a Primeira Guerra Mundial difundiu o emprego dos pássaros no campo de batalha tanto pela Tríplice Entente quanto pela Tríplice Aliança. Antes disso, eles foram usados nos anos 1800 primeiramente no jornalismo, com viés militar reacendido apenas na Guerra Franco-Prussiana, durante o Cerco de Paris. Após a entrada dos americanos na Primeira Guerra Mundial, oficiais franceses e britânicos defenderam os pombos-correios depois de suas experiências nas regiões francesas de Verdun e Somme. Na guerra de trincheiras, em que bombardeios da artilharia transformavam linhas telefônicas cuidadosamente arrumadas em confete, os pombos acabavam sendo o único meio de comunicação confiável entre as trincheiras do front e a artilharia e os elementos de comando atrás. Nem bombardeio, poeira, fumaça, gás venenoso ou neblina impediam os mensageiros emplumados. Para os britânicos em Somme, os pombos “sempre foram capazes de operar regularmente. Em vários casos, eram os únicos capazes de resistir ao tempo e aos meios de destruição do inimigo”.

“Na arena da tecnologia, os pombos são mensageiros mundanos, porém comprovados e confiáveis. Uma tecnologia que serviu fielmente ao Exército americano por meio século”

A partir de então, o Departamento de Comunicações do Exército não perdeu tempo e estabeleceu um serviço de pombos em julho de 1917, usando a experiência dos Aliados com uma tecnologia testada para abordar problemas de comunicação. O trabalho continuou a refinar e melhorar os sistemas de comunicação com e sem fio para o campo de batalha, mas a tecnologia já disponível dos pombos assegurou que os homens das Forças Expedicionárias Americanas não fossem pegos de surpresa durante um blecaute de comunicação, quando meios eletrônicos ou emissários fossem atingidos pelo inimigo.

Pombos demonstraram ser confiáveis como mensageiros e hábeis para o uso em uma variedade de contingentes. Na Primeira Guerra Mundial, o Departamento de Comunicações relatou uma taxa de 95% do total de entregas de mensagens. Em 1944, o Exército relatou taxas de 99% de mensagens táticas entregues por pombos. Após o sucesso com as operações de combate na Europa na Primeira Guerra Mundial, as Forças Armadas americanas empregaram pombos no Pacífico, na Europa e no norte da África durante a Segunda Guerra Mundial. As mensagens evoluíram de pequenos pedaços de papel de arroz e seções de mapas a, finalmente, filmes fotográficos revelados. Na Primeira Guerra Mundial, os pombos serviram no regimento dos tanques, no serviço militar aéreo e na aviação naval. Na Segunda Guerra Mundial, estiveram em todos os lugares, em todo o mundo. Fizeram parte da Operação Overlord ao lado de paraquedistas da 101ª e da 82ª Divisão Aerotransportada e foram carregados penhasco acima no Pointe du Hoc com os Rangers em contêineres especiais. Outros pássaros caíram de paraquedas em Burma com membros do Escritório de Serviços Estratégicos, ultrapassando linhas inimigas para levar mensagens, enquanto outros encontraram um lar dentro dos tanques Sherman. Milhares de pássaros trabalharam a bordo dos pesados bombardeiros das Forças Aéreas do Exército em invasões ao redor da Europa. Na campanha italiana, pombos provaram ser inestimáveis na transmissão de mensagens por terrenos acidentados, para coordenar missões para aeronaves ou para a artilharia. Assim como pombos comuns conseguem se adaptar e prosperar em praticamente qualquer ambiente do planeta, o mesmo ocorre com seu emprego militar.

Começando em 1917 e continuando com a Segunda Guerra Mundial, a força de pombos do Exército se baseou na comunidade civil de corrida de pombos. Em 1917, o Serviço de Pombos das Forças Expedicionárias Americanas chamou dois membros fundadores da União Americana de Corrida de Pombos — John L. Carney e David C. Buscall — para receber comissões diretas como primeiros-tenentes e começar uma força de pombos do zero. Ambos os homens — coincidentemente um oficial e um antigo oficial não comissionados do Corpo do Exército e dos Fuzileiros Navais, respectivamente — levaram consigo o conhecimento e a experiência altamente especializados necessários para adquirir, treinar, criar e distribuir pombos para as forças no campo. Com seus contatos civis, eles obtiveram, por compra ou doação, um grande número de pombos de corrida de qualidade e ajudaram a recrutar os oficiais não comissionados necessários para fazer parte da equipe e treinar outros adestradores de pombos no norte da França. A necessidade de treinar esses animais para as Forças Expedicionárias Americanas ainda demonstrou como a natureza especializada do trabalho com pombos valorizou o conhecimento civil sobre eles.

Após a guerra, o Exército continuou a trabalhar em conjunto com organizações civis, como a União Americana de Corrida de Pombos, ao recrutar homens dessa comunidade. Quando o Exército precisou expandir rapidamente a força de pombos na Segunda Guerra Mundial, a comunidade civil respondeu com a doação de dezenas de milhares de pássaros, e até a Primeira Guerra Mundial “reutilizou” voluntários a oficiais e recrutou soldados para treinar e cuidar dos pombos. Nunca foi uma força grande ou cara demais, e os “pombioneiros” do Exército asseguraram a continuidade da comunicação para os homens que lutavam no front, embora sempre tenha sido um método de transmissão secundário ou emergencial. Independentemente do tamanho ou da falta de prestígio, os homens do Serviço de Pombos representaram um exemplo sólido de uma parceria civil-militar capaz de reagir a uma necessidade de tempos de guerra de maneira organizada e eficiente.

Para os desafios contemporâneos da ciberguerra e da guerra eletrônica, o Comando do Futuro do Exército americano deveria examinar os registros do dissolvido Serviço de Pombos. A partir da experiência das duas Guerras Mundiais, o esforço com esses animais ergueu-se graças à parceria com organizações civis. Parecido com o Programa Cibernético de Comissões Diretas, ao recrutar e fornecer grau mais elevado a especialistas em pombos devido a seu treinamento civil, o Exército forneceu aos oficiais e às posições não comissionadas conhecimento e habilidades essenciais para a expansão rápida, a custo mínimo de treinamento e de respectiva infraestrutura associada. Além disso, as conexões desses civis-soldados providenciou o acesso para a aquisição de pombos-correios de qualidade da comunidade civil, proporcionados ao Exército com pouco atraso. A habilidade de “aumentar” a força de pombos tornou-se possível, em parte, por causa do então existente e pequeno Serviço de Pombos dos tempos de paz.

Na arena da tecnologia, os pombos são, decididamente, mensageiros mundanos e, no entanto, comprovados e confiáveis. Usados como tecnologia disponível em tempos de necessidade, em 1917, serviram fielmente ao Exército por meio século. Uma similar aquisição de sucesso pode ser encontrada no “Big Five” do Exército. O Coronel David C. Trybula concluiu que, ao incorporar tecnologias desenvolvidas ou em desenvolvimento aos sistemas, os resultados são “extraordinários e talvez revolucionários” quando comparados com a troca desses sistemas. Embora não esteja argumentando que a tecnologia de pombos-correios possa substituir as tecnologias avançadas de comunicação dos dias de hoje, há vantagens a ser contempladas no ambiente da guerra eletrônica.

Como demonstrado pela luta na região de Donbass, na Ucrânia, e na Síria, a segurança eletromagnética pode ser uma questão de vida ou morte, luz ou escuridão. Utilizando métodos da guerra eletrônica, forças separatistas endossadas pela Rússia causaram uma série de dificuldades para as forças ucranianas. Na atual luta na Síria, forças americanas também estiveram cara a cara com a tecnologia e as táticas russas desse tipo de guerra, um campo de batalha da guerra eletrônica que virou um campo de treinamento para futuros conflitos. Monitorar, travar ou infiltrar sistemas eletrônicos para permitir ou negar efeitos cinéticos acaba valorizando a proteção de sinais de comunicação.

Certamente pombos não são os substitutos dos drones, mas são uma opção de pouca visibilidade para repassar informação. Considerando a capacidade de armazenamento de cartões de memória micro SD, as características orgânicas de um pombo providenciam, às forças na linha do front, um meio relativamente clandestino de transporte de gigabytes de vídeo, voz ou ainda imagens e documentação, voando uma considerável distância com zero emissão eletromagnética ou detecção óbvia por radar. Essas tecnologias decididamente inferiores são difíceis de detectar e rastrear. Pombos não falam caso sejam interrogados, embora não estejam totalmente imunes à prisão sob suspeita de espionagem. Dentro de um ambiente urbano, eles têm um potencial ainda maior de se disfarçar na população aviária local, dificultando ainda mais a detecção. Este último, presume-se, foi um fator no uso desses pássaros para contrabandear drogas clandestinas, derrotando até o mais sofisticado dos muros.

Além disso, fornecem uma ferramenta assimétrica disponível para propósitos de guerra híbridos. A utilização de pombos, de baixo custo e de inferior tecnologia, para transporte de informações ou, potencialmente, de agentes químicos em pequenas quantidades — ou até de ciberarmas codificadas —, faz com que sejam recursos fáceis e rápidos, em meio à população civil, para fins militares mais amplos. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Serviço Britânico Confidencial de Pombos do MI14 soltou cestas de pombos-correios por trás de linhas inimigas para fins de espionagem, coletando, enquanto isso, inteligência militar inestimável de uma vasta coleção de civis franceses, holandeses e belgas. Até como um meio de comunicação de mão única, o pombo-correio provou ser uma preciosa ferramenta militar.

Não alego que as ideias aqui inseridas sejam únicas ou refinadas. Forças militares de pombos estão praticamente extintas, mas, ainda assim, o Exército Popular de Libertação da China e o Exército de Terra Francês mantêm pequenas forças de pombos para o caso de a guerra eletrônica conseguir interromper ou desativar comunicações militares. Quanto aos militares americanos, os únicos rastros desse setor podem ser encontrados em artefatos ou fotografias em museus ao redor do país. O uso militar de pombos-correios no século XXI, de maneiras ainda mais criativas ou similares, é limitado apenas pela iniciativa e imaginação — uma declaração que é verdadeira para a maioria das inovações no campo de batalha e para o potencial desestabilizador da guerra eletrônica.

Frank Blazich é curador de história militar moderna no Museu Nacional de História Americana do Instituto Smithsonian

Fonte: Revista Época/Globo

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