Os pombos nem sempre são bem vistos pela sociedade. Todavia, há que fazer determinadas distinções, designadamente entre o pombo-correio e aqueles que vulgarmente habitam nas cidades. Isto porque, no fundo, falamos de atletas que, como tal, são alvo de um conjunto de cuidados. Porém, no universo columbófilo a prática da auto-medicação é vulgar e sente-se alguma relutância em pagar honorários» ao médico veterinário, porque há tendência a considerar que este nem sempre tem os conhecimentos necessários quando estão pombos em questão.
Quando se fala em pombos, as imagens invocadas na mente da maioria das pessoas reportam a aves que habitam nas cidades e que, por isso, circulam pelo ar, pelos passeios, pelos monumentos, enfim, por todo o lado.
Alguns centros urbanos já sofrem de sobrepopulação de pombos e encontram-se agora a tomar medidas para tentar controlar o problema, pois há quem afirme que os animais acarretam riscos em termos de saúde pública, designadamente ao nível de problemas respiratórios, alérgicos, dérmicos, oculares e gastrointestinais. No entanto, há quem discorde e considere que «os pombos da cidade não significam um perigo tão alarmante como por vezes sugerido.
Marc Ryon, justifica a sua afirmação anterior citando uma publicação da Universidade de Basileia (Wackernagel e.a., 2004): mesmo que os pombos da cidade possam significar um risco para a saúde humana, este risco é baixo, mesmo para pessoas que, por motivos profissionais, trabalham na proximidade dos sítios onde nidificam». Ainda de acordo com este trabalho académico, só foram relatados por ano – a nível mundial – em média três casos de transmissão de doenças dos pombos da cidade para o Homem nos últimos 60 anos.
Há, segundo o médico veterinário da Federação Portuguesa de Columbofilia (FPC), um excesso de pombos “urbanos” nas nossas cidades», que é, em grande parte, «devido à má gestão (disponibilidade de comida por todo o lado, assim como possibilidade de nidificar), sendo que «estes animais causam, como é evidente, muita sujidade», daí que «devam ser controlados, mas só com métodos civilizados.
O desportista
A realidade do pombo “citadino” acaba, muitas vezes, por condicionar na mente das pessoas o conceito que se tem de pombo-correio. Contudo, há bastantes diferenças, dado que estes são sistematicamente desparasitados, vacinados e controlados no que toca a qualquer doença que possa comprometer o seu desempenho desportivo», informa Paulo Jorge, do departamento de Biological Sciences de Virginia Tech, EUA, para quem, ao contrário daquilo que o público em geral possa pensar, estes pombos não representam qualquer perigo em termos de saúde pública.
De acordo com Marc Ryon, globalmente, podemos afirmar que o pombo-correio é um dos animais mais seguros no que diz respeito à saúde humana». As razões são, pelo menos, duas: vive fora da casa das pessoas e o número de zoonoses transmissíveis é bastante menor do que, por exemplo, no caso de cães, gatos ou porcos». Por outro lado, os columbófilos só têm hipótese de obter êxitos no seu desporto se os pombos estiverem num estado de saúde perfeito, por isso são tratados, vacinados, alimentados e treinados como desportistas de alto nível.
O médico veterinário é da opinião que «actualmente, está um pouco na moda os pombos serem culpados de tudo e mais alguma coisa, especialmente em caso de conflitos entre vizinhos, onde se tornam logo as primeiras vítimas. A mãe sofre de uma bronquite ou a filha tem borbulhas e, não há dúvidas, de que os acusados são sempre os pombos do lado… Infelizmente muitos delegados de saúde entraram neste esquema, de tal modo que a FPC se sentiu obrigada a pôr à disposição dos médicos uma pequena pesquisa técnica intitulada “O pombo-correio e a saúde pública”.
Para Marc Ryon, lidar com pombos, seguindo as regras de higiene – iguais às regras em vigor para qualquer actividade com animais – não apresenta qualquer perigo especial. O médico veterinário da FPC argumenta ainda que a Bélgica e a Holanda – países bastante evoluídos no domínio da saúde pública – têm há mais de 100 anos uma população colombina dez a 12 vezes mais densa do que Portugal e não creio que tenham problemas especiais.
Fins terapêuticos
A FPC tem cerca de 14 mil associados. Porém, como está a acontecer em todos os países da Europa Ocidental, a columbofilia portuguesa é actualmente confrontada com uma diminuição do número de praticantes. Marc Ryon salienta que há vários motivos subjacentes a esta situação: «o número de famílias tradicionais está a diminuir, isto porque este é um desporto familiar por excelência; as campanhas contínuas e irracionais dos meios de comunicação contra quaisquer pombos sem distinção, que
amedrontam os aspirantes a columbófilos; os novos estilos de vida, que ocupam os fins-de-semana e as férias; a crise económica (ser columbófilo implica custos); ou ainda a migração da população para os grandes centros urbanos, pois a columbofilia é um desporto ligado à posse de um quintal ou jardim.
O médico veterinário da FPC revela mesmo a existência de um ano negro para a columbofilia nacional. Nada mais, nada menos do que 2005, visto que foi quando deflagrou a Influenza aviaria e o pombo foi indigitado na opinião pública como sendo capaz de transmitir a temida gripe aos humanos». Não obstante, o passar do tempo veio demonstrar que os pombos não tinham qualquer papel na propagação da doença e que no mundo inteiro não foi documentado um único caso no qual tivesse estado implicado um pombo-correio. Neste sentido, defende que «é uma pena que em Portugal ainda poucos organismos oficiais estejam conscientes do papel educativo ou mesmo terapêutico que a columbofilia possa ter para algumas camadas da sociedade.
Ao ser um desporto que exige rigor, pontualidade, observação, paciência, perseverança e ao estar relacionada com ciências como a geografia, geometria, informática, meteorologia e biologia, a columbofilia «possui inegavelmente virtudes que justificam a sua implantação em escolas, mas também em outras instituições como centros de desintoxicação, orfanatos, lares para a terceira idade, institutos psiquiátricos.
O pombo
Um excelente pombo de competição deve balancear velocidade com resistência e capacidade de orientação, diz Paulo Jorge, sendo assim os principais critérios a ponderar na reprodução de pombos de competição são «a velocidade, a resistência, a linhagem genética e a capacidade de orientação», acrescenta.
O cruzamento ideal faz também parte da arte de ser columbófilo, sublinha Marc Ryon. A finalidade é «sempre tentar criar borrachos bons a partir de pombos que são ou foram craques durante a sua vida desportiva, ou então de bons reprodutores provenientes de linhas com estas características.
Ora, seis dias após o nascimento, «o borracho deve ser anilhado com uma anilha oficial (fornecida pela FPC), onde está inscrito o ano em curso e um número com sete algarismos. Este processo dá ao pombo-correio uma espécie de bilhete de identidade, uma vez que o «distingue durante toda a sua vida dos restantes», explica o médico veterinário da FPC.
A competição
Na columbofilia tradicional em Portugal, excluindo o fenômeno mais recente dos one-loft-races ou derbies, a época desportiva decorre aproximadamente desde o início de Março até ao final de Junho, sendo que cada fim-de-semana há concursos, que podem ser de velocidade (percursos de 150 a 300 quilómetros), de meio-fundo (301 até 500 quilômetros), fundo (de 501 até 800 quilômetros) ou de grande fundo (mais de 800 quilómetros), explica Marc Ryon.
Cada columbófilo deve apresentar-se «um ou dois dias antes do voo (segundo a distância) no horário combinado com os seus pombos na sede da sua colectividade para o “encestamento”, onde um a um são introduzidos num cesto especial de viagem (os machos e as fêmeas são encestados separadamente)», continua. Depois, os cestos são colocados num camião especialmente concebido para o efeito (bebedouros, comedouros, controlo de temperatura, etc.) e começa a viagem para o local de solta. Se o tempo o permitir, os pombos são geralmente soltos muito cedo, ao amanhecer. Dependente da distância, o voo demora em média de duas até 12,13, ou 14 horas. Não obstante, ressalva que no caso das provas de fundo ou grande fundo «há quase sempre pombos que necessitam de mais tempo e que só voltam no dia seguinte.
Porém, se cada pombo regressa ao seu “lar”, como é que se sabe qual o vencedor?
Há dois sistemas, o tradicional no qual o pombo é anilhado no momento do “encestamento” com uma anilha de borracha que tem número», sendo que neste sistema, os columbófilos possuem um relógio mecânico (comprovador) que após ter sido sincronizado com um relógio-mãe é selado. Assim, quando um pombo chega, o columbófilo tira rapidamente a anilha de borracha que é introduzida no comprovador referido. Neste momento carrega num botão e a hora é marcada numa fita de papel.
Actualmente, utilizam-se mais frequentemente sistemas electrónicos, em que a ave é portadora de um chip que é “lido” na colectividade no momento do encestamento e igualmente no pombal à chegada mediante um patim electrónico (o sinal horário é proveniente do GPS).
De destacar que não é considerado como vencedor de uma prova a ave que chega em primeiro a casa, mas sim a que realiza a média mais elevada de metros por minuto (por exemplo 1000 m/minuto).
Cuidados veterinários
Uma vez que os pombos de competição, mais concretamente os pombos-correio, são atletas que participam regularmente em provas que consistem em percorrer o mais rapidamente possível a distância que separa o lugar da solta do seu pombal de origem, a medicina columbina mostra algumas semelhanças com a dos cavalos ou dos galgos de corrida, opina Marc Ryon.
É óbvio que «um bom estado de saúde é sine qua non para estas aves e, por isso, devem ser prestados os serviços veterinários preventivos normais e curativos (desparasitazaçâo, vacinação, controlos de rotina das fezes e da saliva, tratamentos em caso de doença, pequenas intervenções cirúrgicas, autópsias, etc.).
Para além disso, o médico veterinário «deve ser capaz de acompanhar os pombos na campanha desportiva, onde os aspectos da nutrição e do maneio têm grande importância». Todavia, se na realidade todos estes serviços são prestados por profissionais de medicina veterinária é uma outra discussão; visto que o público columbófilo está acostumado há décadas a praticar a auto-medicação e considera que poucos médicos veterinários estão bem dentro do assunto e sente alguma relutância em pagar honorários», revela Marc Ryon, acrescentando que «é um facto que neste mundo são muitos os curiosos activos e existe uma grande disponibilidade de produtos que escapam aos circuitos normais; para além disso é duvidoso que dedicar-se apenas à medicina columbina seja uma ocupação economicamente rentável para um médico veterinário em Portugal.
Fonte: VA – Veterinária Atual
Pesquisa / NET por Osvaldo Pires – Moc