61 mil pombos voam de Espanha para Portugal. Tratados como atletas de alta competição

Para alguns são só pássaros, mas os seus tratadores dizem que “é muito mais do que isso”. Os pombos-correio foram transportados em camiões TIR para Espanha, com todas as condições, como atletas de alta competição e vão regressar a casa voando cerca de 750 quilómetros

61 mil pombos-correios de competição integram hoje a maior solta da Europa, numa prova de fundo da Federação Portuguesa de Columbofilia, cruzando os céus ibéricos sem perderem fidelidade ao próprio ninho.

“Em primeira instância, está sempre o pombo. Temos de o proteger. Para quem não conhece a columbofilia, é um pássaro. Para nós, é muito mais do que isso. Não digo que seja como um filho, mas é um animal que faz parte de nós. Afinal, são 365 dias por ano a tratar deles“, partilhou à agência Lusa o diretor desportivo federativo Almerindo Mota.

Os pombos serão soltos em simultâneo às 06:30 (hora de Lisboa), junto ao autódromo Ricardo Tormo, em Cheste, perto da cidade espanhola de Valência, para regressarem em voo a Portugal, onde chegarão aos respetivos pombais, dispersos por vários distritos do país.

“Há algumas teorias, mas ainda não temos uma explicação concreta para que estas espécies se orientem e venham embora. Sabemos é que têm uma inteligência tremenda, sabendo que chegam ao local de partida num camião completamente fechado. Por exemplo, se me deixassem em Valência, não chegava a casa sem tabuletas”, ilustrou.

Robustos e de asa ventilada

“Como é uma solta desde Viana do Castelo até Faro, tentámos enquadrá-la num local central, com distâncias mais ou menos idênticas para todas as associações. Em situação normal, regressam todos a casa. Contudo, pode haver cabos de alta tensão ou aves de rapinas, que, neste momento, são um flagelo da columbofilia“, frisou Almerindo Mota.

O transporte decorreu na madrugada de quinta-feira por 14 camiões TIR, equipados com os cuidados necessários para o bem-estar das aves, ao nível do abeberamento, controlo da temperatura interior e alimentação, sendo autênticos atletas de alta competição.

Para trás ficou um minucioso estágio, até porque tiveram de ser privilegiados “pombos robustos, com uma asa muita bem ventilada e características de fundo”, num conjunto de derradeiras decisões que a família Barros teve de considerar durante a tarde desse dia.

“Como para qualquer circuito desta dimensão, selecionámos previamente 24 aves para serem tratadas e alimentadas separadamente da restante equipa. Ao mostrarem aquilo que querem e gostam ao longo dos anos, concluímos que esses pombos nos darão garantia para fazer uma boa prestação”, explicou à Lusa Fernando Barros, de 56 anos.

A sua residência em Penafiel comporta um pombal com quase 120 aves, algumas delas em acasalamento à parte, mas todas vacinadas duas vezes por ano, servindo de base para treinos diários e diluindo o risco de doenças com higienização de manhã e à tarde.

“Eu faço aos pombos o que não faço a mim.Somos um bocado veterinários, treinadores, psicólogos, um bocado de tudo. Fazemos treinos graduais ao longo da semana, mas nunca os meto a voar acima de 40 minutos. Valência é o ex-líbris das provas nacionais. Títulos? Venci velocidades, fundos e gerais, mas continua a faltar o meio-fundo”, contou.

O mentor do vício da columbofilia de Fernando Barros foi o seu filho, Marcos, com quem esteve a analisar os 24 exemplares prediletos para Valência, para prescindir de quatro e levar um máximo de 20, que ganharam nome próprio mal foram aduzidos à reprodução.

“São todos diferentes, mas cada um especial à sua maneira. Fomos trocando impressões durante a semana e temos as nossas convicções. Terça-feira à noite ou quarta de manhã já temos a equipa fechada. Na hora de encestar, normalmente somos surpreendidos pela positiva, mas podemos reparar em algo novo”, aludiu à Lusa Marcos Barros, de 30 anos.

Enquanto cada pombo saía do ninho para ser alocado em três caixas de transporte, pai e filho tiveram de fazer uma troca de última hora, sem deixarem de enviar apenas fêmeas nascidas entre 2016 e 2019, “mais adaptáveis às condicionantes” das provas de fundo.

As asas também servem para ganhar medalhas

“Escrevemos numa folha o número da anilha associada à pata de cada um e verificamos vários aspetos: se as asas estão bem ou mal, a cor e a densidade da pele por baixo, tentando perceber se estão num ponto físico bom, e a garganta e a língua ao nível do bico. A convocatória está feita e aproxima-se o dia de acender a velinha“, gracejou.

Fernando e Marcos Barros deslocaram-se ao final da tarde à Sociedade Columbófila de Paredes, uma das 83 coletividades da Associação Columbófila do Distrito do Porto, onde procederam ao registo informático das anilhas oficiais e do microchip de cada pombo.

Para a costa leste de Espanha viajaram 61.003 aves inscritas, em representação de 14 associações distritais, 400 clubes e 8.000 columbófilos, capazes de percorrer uma distância média de 750 quilómetros e completar os seusvoos entre oito e 10 horas.

“É um animal que transmite muita paz. Perante o stress diário, estes momentos acabam por ser de repouso, mas também de diversão. É esse misto de emoção que apaixona. Vamos aprendendo todos os dias a melhorar essa relação e os processos adotados. Eles é que nos ensinam”, sustentou Marcos, há uma quinzena de anos ligado à modalidade.

Esse registo atesta a fiabilidade dos resultados e precede a mudança das aves para largas caixas metálicas, nas quais têm acompanhamento permanente até saírem hoje, quando os columbófilos do país estarão de olhos no céu à espera dos seus ‘atletas’.

“Posso estar muito calmo, mas quando se aproxima a hora, e temos essa perceção, altero-me por completo. É ficar a olhar para o ar à espera que eles cheguem. É inexplicável e sempre expectante, porque não temos certezas”, admitiu Fernando, com prioridade durante o encestamento faseado, motivada pelas restrições da pandemia de covid-19.

Volvida a azáfama e o convívio nas coletividades, os pombos-correios entram em carrinhas com uma estrutura adaptada ao seu transporte e rumam depois a camiões TIR de semelhante disposição, acreditando numa atmosfera matinal repleta de visibilidade.

“Temos apoio meteorológico, cuja antevisão pode ser essencial, e o columbófilo soma a pontuação com a chegada dos dois primeiros pombos. É um desporto caro, consoante a dimensão que se quer atingir. Não cresce, mas tem estabilizado nos oito mil federados”, concluiu Almerindo Mota, ciente de que as asas também servem para ganhar medalhas.

Fonte: Diário de Notícias

Assessoria de Comunicação

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